Alexandrina Maria da Costa

SENTIMENTOS DA ALMA

AGOSTO 1944

1º de Agosto

Escutai, Jesus, a minha dor quase moribunda. Duro golpe lhe foi dado. Ó dor, ó dor que matas a dor, ó dor que só por Jesus podes ser conhecida. Com os olhos em Vós, Jesus, as calúnias, as humilhações, os desprezos, os ódios, o esquecimento têm a doçura do Vosso Amor. Venha tudo, ó Jesus, venha tudo o que Vos aprouver. Morra o meu nome como sinto que morreu o meu corpo e a minha alma, para que viva o Vosso divino Amor nos corações e a Vossa graça nas almas. Eis, meu Amado, porque me deixo imolar. Mas como resistir a tanto? Ó Jesus, olhai este coração que rebenta, desfaz-se em dor, não pode com tanto aperto se não vindes em meu auxílio. Vinde, vinde, ó Jesus, socorro, socorro, Jesus. Querem privar-me de tudo, até me ameaçam de eu ficar sem Vos receber, proibindo o Senhor Abade de vir junto de mim a não ser em perigo de vida, isto no caso de eu não obedecer. Obedeço, obedeço, meu Jesus, com a Vossa divina graça!  XE "Obediência, como eu te amo" Ó santa obediência, como eu te amo por Jesus e pelas almas. Lançaram-me a público sem consentimento meu, de nada soube e agora, meu Jesus, querem à custa da minha dor apanhar as penas que o vento tão furioso espalhou! Como, Jesus, como? Ai, nunca mais, meu Jesus, nunca mais. Oh! Quem me dera viver escondida; ai, quem me dera amar-Vos como tanto desejo ser Vossa, meu Jesus, a mais não poder ser, mas perdoai, ó Jesus, perdoai-me, sem ter esta vida assim! Ai, quantos que nada desta vida conhecem e são santos, e eu, meu Jesus, cheia de misérias! Oh! Que saudades dos anos que já lá vão! Tantos colóquios tive convosco e sem que nada se soubesse. Dava vidas, meu Jesus, dava mundos para viver escondida. Perdão, Jesus, querer, não tenho vontade. Meu Deus, se eu soubesse que com o meu sofrimento a Vossa consolação era completa! Se eu pudesse viver fechada neste quartinho, sendo Vós, meu Jesus, e estas pobres paredes testemunhas das minhas dores, sem que os meus e todos os que me são queridos pudessem recordar que eu vivia aqui e que em dia algum da vida eu tenho vivido na companhia deles, então já não sofria. Mas vejo que quem sofre mais é o Vosso divino Coração, e que os que me são queridos sofrem comigo, não podem esquecer-me, então faz-me sofrer a mais não poder. Quantas vezes não posso conter as lágrimas, cega, cega de dor! Vem-me ao pensamento : é mais perfeito não chorar, Jesus fica mais contente. Fito os meus olhos no Crucificado, levanto-os ao Céu, fico por algum tempo a contemplar Jesus e logo as lágrimas que me pareciam nunca mais ter fim, estancam: sinto vida nova. Meu Deus, que luta tremenda, ai de mim sem Vós, Jesus, Mãezinha, valei-me: sou a Vossa vítima. Ó Santa Teresinha, Santa Gema, ó São José e santos meus queridos, valei-me. Ó Céu, ó Céu, conto contigo. Nunca, meu Jesus, me deixeis cansar, nunca deixeis parar meus lábios repetindo sempre: Amo-Vos, Jesus, sou a Vossa vítima. Dêem-me os homens a sentença que quiserem, não importa. Dai-me Vós, ó Jesus, a sentença de vencerdes em mim e de eu Vos amar e Vos dar almas. Jesus, não vejo o meu passado nem presente, vejo só o futuro, vejo o meu sangue correr por entre espinhos, entre uma noite tremenda e escura vai a minha dor que tem vida, caminhar por entre ele, banhar-se, ensopar-se nele. Ó meu Deus, que tormento, não sei dizer-Vos o que sinto, sofro e a dor desaparece à medida que vou sofrendo. Nada me pertence e morro de dor, Jesus, e tenho sede de mais dor. Jesus, só Vós me compreendeis : tenho fome, tenho sede, morro, morro, ô Jesus !

10 de Agosto

Jesus, olho para um lado, olho para outro, não vejo ninguém, temo e tremo : ai que pavor ! Não cessa a luta, vejo por entre a escuridão o meu sangue correr e a dor quase moribunda segue o seu caminho. Sangue e dor, morte e eternidade. Escutai, ó Jesus, ouvi, ó Mãezinha, é uma dor agonizante, não há quem se compadeça da minha dor. Olhai, olhai, ó Jesus, vede-a ensopada em sangue. Jesus, Jesus, não me deixeis sem Vos receber : perder tudo, tudo, mas comungar ; perder tudo, mas possuir-Vos. Ao ouvir lá fora risos como de quem goza uma grande alegria, sem eu querer, quase sentia saudades de gozar dessa alegria também. Meu Deus, que vida tão mal compreendida ! Se não fosse o amor de Jesus, se não fossem as almas, não estava sujeita aos juízos dos homens, não tinha que lhes obedecer. Estes pensamentos passavam rápidos como um relâmpago. E sentia-me como que obrigada a trocar todas as alegrias pelo amor de Jesus. Jesus, Jesus é digno de tudo. As almas, as almas !

Este pensamento vibrou dentro de mim, acendeu uns desejos mais firmes de caminhar por entre espinhos, banhada em sangue, só em sangue. Deu-me um conhecimento claro do que é Jesus e do que é o mundo. Meu Deus, levanto-me aqui para cair além. A luta continua. Sinto saudades da minha crucifixão das sextas-feiras, temo os primeiros sábados, temo qualquer dia ou hora, meu Jesus, em que Vos dignastes falar-me. Não será isto perfeito ? Tende pena, tende dó. Temo a minha fraqueza, temo vacilar, horroriza-me o sofrimento, mas confio em Vós. O meu querer é o Vosso, meu Jesus. Que estou aqui a fazer ? Não permitais que eu seja a desgraça das almas. Preocupa-me tanto dizer-se que só certas coisas são precisas para tranquilização delas. Ó Jesus, espero em Vós, confio em Vós. Sossegai a minha pobre alma. Passaram-se algumas horas. Ia alta, bem alta a noite. Tudo em casa estava em descanso, só a minha dor, a minha tremenda luta continuava. Veio de repente Jesus, estreitou-me em chamas de amor.

— “Dá-me a tua mão, minha filha. Não te prometi eu levantar-te do teu desfalecimento ? Anda para os braços da tua Mãezinha, vem tomar conforto”.

Senti-me logo nos braços da Mãezinha e como uma criancinha lancei meus braços ao seu pescoço. Ela apertou-me docemente e acariciou-me cobrindo o meu rosto de beijos. Eu não sei se chorava se não, mas sentia que chorava. Ela limpava-me com o seu santíssimo manto as lágrimas e dizia-me :

— “A tua dor, minha filha, o teu martírio arranca das garras de Satanás as almas que ele com tanto furor me roubou. O inferno está fechado ; é a raiva dele : coragem ! A tempestade passa. Recebe graça, recebe amor e a luz do divino Espírito Santo”.

E sobre um trono riquíssimo vi o divino Espírito Santo em forma de pomba, deixando cair sobre mim, lá do alto onde estava, raios dourados e à espécie de fitinhas de várias cores e cheias de brilho. Tudo isto era belo e luminoso. Fiquei mais forte. Pouco depois, numa doce paz, adormeci.

12 de Agosto

(Resumo)

Talvez pelas duas horas da tarde, encostada nas minhas almofadas e deitada sobre a minha cruz numa amargura profunda, invocava Jesus, só Jesus. Uns toques harmoniosos prenderam a minha atenção. Julguei tratar-se de sons terrenos e olhei para os lados com a maior atenção para descobrir donde vinha tufo aquilo. Mas vinham do alto... Compreendi-o bem e nessa altura o coração palpitou com força até eu não poder mais resistir... Passou toda a tempestade... senti-me arrebatada numa doçura e suavidade grande. A harmonia componha-se de muitos sons, como de tantos instrumentos... Ouvia-os a todos, mas um dentre eles me prendia mais... Não sei quanto durou esta absorção... talvez meia hora.

15 de Agosto

Depois de meia hora de alívio concedido no dia 12, voltei para o meu estado de amargura. Chegou o dia da Mãezinha e, ao recordar o dia que era... e a alegria que havia no Céu, parecia-me não resistir às dores desta terra. Veio o momento da Comunhão. Poucos minutos depois de ter recebido Jesus, senti como que um assalto dentro de mim. Pareceu-me que foi Jesus, como se fosse um ladrão, a entrar e a sair logo levando consigo esse pouco de vida que dá vida à minha dor. Senti-me morta mas continuei a sofrer mais por sentir-me sem esse pouco de vida que era a vida da minha dor. Senti que me faltava tudo e, como que separada, cortada ao meio, ficando aqui o meu cadáver, e lá no alto, no Céu, aquele roubo que era a parte de mim mesma. Esta parte estava mergulhada no gozo completo, menos o da vista de Deus, sem dar, porém, à parte que ficou na terra, alívio nenhum, pelo contrário, esmagando-a num abismo de dor sem fim. Passei o dia todo numa ânsia dolorosa de possuir outra vez aquela parte de mim que me pertencia e sem a qual eu era cadáver. Foi um dia que me pareceu não ter fim : passei-o num brado contínuo a Jesus e à Mãezinha e a perguntar-me : “Ó meu Deus, sem vida como posso viver ?” Na tarde desse dia, ouvi novamente as harmonias do dia 12 e foi como que um calmante ao meu sofrimento, sem o qual me parece não teria aqui resistido muitas horas. À noite, não me lembro a hora, foi-me restituído o roubo, dei-me conta disso por me sentir reviver.