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1º de AgostoEscutai, Jesus, a minha dor quase moribunda. Duro golpe lhe foi dado. Ó dor, ó dor que matas a dor, ó dor que só por Jesus podes ser conhecida. Com os olhos em Vós, Jesus, as calúnias, as humilhações, os desprezos, os ódios, o esquecimento têm a doçura do Vosso Amor. Venha tudo, ó Jesus, venha tudo o que Vos aprouver. Morra o meu nome como sinto que morreu o meu corpo e a minha alma, para que viva o Vosso divino Amor nos corações e a Vossa graça nas almas. Eis, meu Amado, porque me deixo imolar. Mas como resistir a tanto? Ó Jesus, olhai este coração que rebenta, desfaz-se em dor, não pode com tanto aperto se não vindes em meu auxílio. Vinde, vinde, ó Jesus, socorro, socorro, Jesus. Querem privar-me de tudo, até me ameaçam de eu ficar sem Vos receber, proibindo o Senhor Abade de vir junto de mim a não ser em perigo de vida, isto no caso de eu não obedecer. Obedeço, obedeço, meu Jesus, com a Vossa divina graça! XE "Obediência, como eu te amo" Ó santa obediência, como eu te amo por Jesus e pelas almas. Lançaram-me a público sem consentimento meu, de nada soube e agora, meu Jesus, querem à custa da minha dor apanhar as penas que o vento tão furioso espalhou! Como, Jesus, como? Ai, nunca mais, meu Jesus, nunca mais. Oh! Quem me dera viver escondida; ai, quem me dera amar-Vos como tanto desejo ser Vossa, meu Jesus, a mais não poder ser, mas perdoai, ó Jesus, perdoai-me, sem ter esta vida assim! Ai, quantos que nada desta vida conhecem e são santos, e eu, meu Jesus, cheia de misérias! Oh! Que saudades dos anos que já lá vão! Tantos colóquios tive convosco e sem que nada se soubesse. Dava vidas, meu Jesus, dava mundos para viver escondida. Perdão, Jesus, querer, não tenho vontade. Meu Deus, se eu soubesse que com o meu sofrimento a Vossa consolação era completa! Se eu pudesse viver fechada neste quartinho, sendo Vós, meu Jesus, e estas pobres paredes testemunhas das minhas dores, sem que os meus e todos os que me são queridos pudessem recordar que eu vivia aqui e que em dia algum da vida eu tenho vivido na companhia deles, então já não sofria. Mas vejo que quem sofre mais é o Vosso divino Coração, e que os que me são queridos sofrem comigo, não podem esquecer-me, então faz-me sofrer a mais não poder. Quantas vezes não posso conter as lágrimas, cega, cega de dor! Vem-me ao pensamento : é mais perfeito não chorar, Jesus fica mais contente. Fito os meus olhos no Crucificado, levanto-os ao Céu, fico por algum tempo a contemplar Jesus e logo as lágrimas que me pareciam nunca mais ter fim, estancam: sinto vida nova. Meu Deus, que luta tremenda, ai de mim sem Vós, Jesus, Mãezinha, valei-me: sou a Vossa vítima. Ó Santa Teresinha, Santa Gema, ó São José e santos meus queridos, valei-me. Ó Céu, ó Céu, conto contigo. Nunca, meu Jesus, me deixeis cansar, nunca deixeis parar meus lábios repetindo sempre: Amo-Vos, Jesus, sou a Vossa vítima. Dêem-me os homens a sentença que quiserem, não importa. Dai-me Vós, ó Jesus, a sentença de vencerdes em mim e de eu Vos amar e Vos dar almas. Jesus, não vejo o meu passado nem presente, vejo só o futuro, vejo o meu sangue correr por entre espinhos, entre uma noite tremenda e escura vai a minha dor que tem vida, caminhar por entre ele, banhar-se, ensopar-se nele. Ó meu Deus, que tormento, não sei dizer-Vos o que sinto, sofro e a dor desaparece à medida que vou sofrendo. Nada me pertence e morro de dor, Jesus, e tenho sede de mais dor. Jesus, só Vós me compreendeis : tenho fome, tenho sede, morro, morro, ô Jesus ! 10 de AgostoJesus, olho para um lado, olho para outro, não vejo ninguém, temo e tremo : ai que pavor ! Não cessa a luta, vejo por entre a escuridão o meu sangue correr e a dor quase moribunda segue o seu caminho. Sangue e dor, morte e eternidade. Escutai, ó Jesus, ouvi, ó Mãezinha, é uma dor agonizante, não há quem se compadeça da minha dor. Olhai, olhai, ó Jesus, vede-a ensopada em sangue. Jesus, Jesus, não me deixeis sem Vos receber : perder tudo, tudo, mas comungar ; perder tudo, mas possuir-Vos. Ao ouvir lá fora risos como de quem goza uma grande alegria, sem eu querer, quase sentia saudades de gozar dessa alegria também. Meu Deus, que vida tão mal compreendida ! Se não fosse o amor de Jesus, se não fossem as almas, não estava sujeita aos juízos dos homens, não tinha que lhes obedecer. Estes pensamentos passavam rápidos como um relâmpago. E sentia-me como que obrigada a trocar todas as alegrias pelo amor de Jesus. Jesus, Jesus é digno de tudo. As almas, as almas ! Este pensamento vibrou dentro de mim, acendeu uns desejos mais firmes de caminhar por entre espinhos, banhada em sangue, só em sangue. Deu-me um conhecimento claro do que é Jesus e do que é o mundo. Meu Deus, levanto-me aqui para cair além. A luta continua. Sinto saudades da minha crucifixão das sextas-feiras, temo os primeiros sábados, temo qualquer dia ou hora, meu Jesus, em que Vos dignastes falar-me. Não será isto perfeito ? Tende pena, tende dó. Temo a minha fraqueza, temo vacilar, horroriza-me o sofrimento, mas confio em Vós. O meu querer é o Vosso, meu Jesus. Que estou aqui a fazer ? Não permitais que eu seja a desgraça das almas. Preocupa-me tanto dizer-se que só certas coisas são precisas para tranquilização delas. Ó Jesus, espero em Vós, confio em Vós. Sossegai a minha pobre alma. Passaram-se algumas horas. Ia alta, bem alta a noite. Tudo em casa estava em descanso, só a minha dor, a minha tremenda luta continuava. Veio de repente Jesus, estreitou-me em chamas de amor. — “Dá-me a tua mão, minha filha. Não te prometi eu levantar-te do teu desfalecimento ? Anda para os braços da tua Mãezinha, vem tomar conforto”. Senti-me logo nos braços da Mãezinha e como uma criancinha lancei meus braços ao seu pescoço. Ela apertou-me docemente e acariciou-me cobrindo o meu rosto de beijos. Eu não sei se chorava se não, mas sentia que chorava. Ela limpava-me com o seu santíssimo manto as lágrimas e dizia-me : — “A tua dor, minha filha, o teu martírio arranca das garras de Satanás as almas que ele com tanto furor me roubou. O inferno está fechado ; é a raiva dele : coragem ! A tempestade passa. Recebe graça, recebe amor e a luz do divino Espírito Santo”. E sobre um trono riquíssimo vi o divino Espírito Santo em forma de pomba, deixando cair sobre mim, lá do alto onde estava, raios dourados e à espécie de fitinhas de várias cores e cheias de brilho. Tudo isto era belo e luminoso. Fiquei mais forte. Pouco depois, numa doce paz, adormeci. 12 de Agosto(Resumo) Talvez pelas duas horas da tarde, encostada nas minhas almofadas e deitada sobre a minha cruz numa amargura profunda, invocava Jesus, só Jesus. Uns toques harmoniosos prenderam a minha atenção. Julguei tratar-se de sons terrenos e olhei para os lados com a maior atenção para descobrir donde vinha tufo aquilo. Mas vinham do alto... Compreendi-o bem e nessa altura o coração palpitou com força até eu não poder mais resistir... Passou toda a tempestade... senti-me arrebatada numa doçura e suavidade grande. A harmonia componha-se de muitos sons, como de tantos instrumentos... Ouvia-os a todos, mas um dentre eles me prendia mais... Não sei quanto durou esta absorção... talvez meia hora. 15 de AgostoDepois de meia hora de alívio concedido no dia 12, voltei para o meu estado de amargura. Chegou o dia da Mãezinha e, ao recordar o dia que era... e a alegria que havia no Céu, parecia-me não resistir às dores desta terra. Veio o momento da Comunhão. Poucos minutos depois de ter recebido Jesus, senti como que um assalto dentro de mim. Pareceu-me que foi Jesus, como se fosse um ladrão, a entrar e a sair logo levando consigo esse pouco de vida que dá vida à minha dor. Senti-me morta mas continuei a sofrer mais por sentir-me sem esse pouco de vida que era a vida da minha dor. Senti que me faltava tudo e, como que separada, cortada ao meio, ficando aqui o meu cadáver, e lá no alto, no Céu, aquele roubo que era a parte de mim mesma. Esta parte estava mergulhada no gozo completo, menos o da vista de Deus, sem dar, porém, à parte que ficou na terra, alívio nenhum, pelo contrário, esmagando-a num abismo de dor sem fim. Passei o dia todo numa ânsia dolorosa de possuir outra vez aquela parte de mim que me pertencia e sem a qual eu era cadáver. Foi um dia que me pareceu não ter fim : passei-o num brado contínuo a Jesus e à Mãezinha e a perguntar-me : “Ó meu Deus, sem vida como posso viver ?” Na tarde desse dia, ouvi novamente as harmonias do dia 12 e foi como que um calmante ao meu sofrimento, sem o qual me parece não teria aqui resistido muitas horas. À noite, não me lembro a hora, foi-me restituído o roubo, dei-me conta disso por me sentir reviver. |